Texto 1: Ariana Nuala

Levei momentos do meu pai e de uma criança ao mercado, foi um esforço começar a vê-los ali. E como encaro essas duas presença com bastante contrariedade, fui escutando cada detalhe nas imagens. No tempo de meu pai existe o MST no peito de sua camisa, os braços abertos mostram seu orgulho, uma foto recente e parecida com muitas outras que ele me envia cotidianamente pelo whatsapp com poucas palavras e as vezes um áudio. Porém, com uma legenda contínua “tudo que há de bom pra cozinhar“. No segundo momento, vejo uma criança parecida comigo, talvez um pouco constrangida. Ela está encostada em um grande carro preto com a sigla do INCRA. Minha mãe não entende porque pedi essa foto para mim, ela se acha desajeitada, não gosta de se enxergar naquele tempo. Conversamos todo o tempo enquanto eu escolhia os novos “altares“ no mercado para nossas lembranças. Penso que minhas conversas, aparentemente sozinha, não revelavam o que eu via de opaco. Meu pai tinha me enviado esta foto ainda essa semana, estamos 4 meses sem nos encontrarmos, suas recordações pessoais cada vez mais enchem meus bancos de arquivos do celular. Recebo abacaxis, acerolas, tomates, couves. Na foto de minha criança/mãe percebo como é bom coloca-la num porta-retrato, cuidar de uma ruptura com todas suas complexidades. Não poderiam ser outras fotos.

Texto II: Abiniel João Nascimento

O vento sopra as folhas do coqueiro sob o sol, fazendo grafismos dançantes sobre a terra. Observo o horizonte enquanto recordo uma memória que tem me acompanhado nos últimos dias. Chego perto de minha mãe, ela está limpando nossa plantação. Pergunto se posso retirar a cenoura que ela plantou há algumas semanas. Ela me pede para ir buscar terra para fazermos um novo leirão de coentro, porque o veneno posto no canavial no último mês matou o primeiro. Vamos buscar terra adubada no pé da mangueira que plantamos há alguns bons anos. Comentamos brevemente sobre como seria viver a pandemia na cidade, de onde voltaram. Com as mãos, minha avó faz buracos na terra úmida - local onde o coentro será plantado. Retiro a cenoura, minha mãe ri porque esperava que ela estivesse maior. Pedem para eu sentir a couve. Sinto, puxo pela raiz. Entrego à minha avó, que pede para tirar uma foto. Tiro a foto. Mostro-a e ela ri, pede para eu enviar para "tua amiga" (@socorrrrrr). Enquanto limpa as folhas antigas da couve, minha mãe menciona as lembranças das vezes que foi vender frutas, raízes e grãos com meu pai no CEASA: lamenta o desperdício, a chepa e a fome nas pessoas das periferias da metrópole. Agradece a terra e a fartura.

Ação: Abiniel João Nascimento e Ariana Nuala
Registro: Ariana Nuala e Letícia Barros

IN/OUT
Ação do Coletivo CARNI para o Solar dos Abacaxis - 2020